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Intérprete?
Sabe inglês? Vire intérprete…
Já pensou em ser intérprete? Não há como negar que os trabalhos realizados na televisão proporcionam grande visibilidade à tradução simultânea. Já escrevi sobre o tema em textos publicados aqui: “News: Intérprete no ‘Tudo é Possível’” e “Simultânea ou Consecutiva?“. A tradução de eventos com celebridades geram o mesmo efeito, como nesta coletiva de imprensa com o diretor de cinema James Cameron. Por outro lado, estas participações podem criar uma imagem de glamour que a profissão não tem no dia a dia.
Muita gente, principalmente quem fala inglês, pode ficar com a falsa impressão de que ser intérprete é muito fácil e simples. Não é. Alguns minutinhos de trabalho por dia traduzindo uma meia dúzia de frases simples enunciadas por uma pessoa que fala inglês perfeitamente, sem sotaque. E ainda por cima aparecer na TV? Até mesmo de forma inconsciente, tenho certeza de que muita gente pensou: “Pera aí, eu poderia fazer esse troço!”
Cf. Como ser tradutor e intérprete?
Acontece que ninguém “vira” intérprete!
Não quero subestimar de antemão a capacidade de ninguém. Sei que muitos têm potencial e podem vir a ser excelentes profissionais. Entretanto, é importante conhecer o pacote completo, ou seja, saber qual a profundidade do buraco em que você está pensando em entrar. Não vou reinventar a roda porque a Ângela Levy, minha professora e criadora do Curso de Formação e Intérpretes da Associação Alumni, já fez esse trabalho de maneira brilhante. Leia seu texto “Sabe inglês? Vire tradutor…“, que também publiquei aqui no Tecla SAP. O título é uma ironia com o verbo “virar” porque, afinal de contas, ninguém “vira” tradutor nem intérprete, é claro! Contudo, quero acrescentar mais alguns elementos para reflexão. Portanto, leve em conta as seguintes considerações antes de decidir mudar de profissão porque nem tudo são flores no mundo da tradução simultânea. Há um alto grau de variabilidade e incertezas de vários tipos.
Diversidade de temas, oradores e locais
Já traduzi de Presidentes e Primeiros-Ministros a moradores de rua, pessoas que se expressam perfeitamente e outras que simplesmente não conseguem falar em público por timidez, nervosismo ou despreparo. Trabalhei em palácios e hotéis luxuosos, mas também em acampamentos dos sem-terra, já estive em salas de reunião confortáveis com controle computadorizado de temperatura e em calderarias, currais, túneis de inspeção de barragens, aterros sanitários etc. Felizmente, nunca passei por experiência semelhante à relatada por uma colega em “Vida de Intérprete – O presidente e o general“.
Os temas também são realmente variados: cromatografia de íons, fadiga de metais, planificadoras contínuas, paternalismo no direito penal, arquitetura de redes, uso de células dendríticas para tratamento do câncer, tráfico ilícito de pessoas, integração de VoIP, galvanização, entre muitos outros assuntos emocionantes. Não falo com desdém dessas matérias, muito pelo contrário, devido a seu alto grau de especificidade, demandam horas de estudo e preparo para quem não é especialista da área. Achar que você vai receber farto material com antecedência é outra ilusão comum entre os principiantes.
Quantos sotaques…
E o que dizer dos diferentes sotaques? Já traduzi cidadãos cuja língua materna é o inglês: australianos, irlandeses, texanos, escoceses, sul-africanos, indianos etc. além dos que falam inglês como língua estrangeira: chineses, árabes, russos, japoneses, alemães, franceses, argentinos, brasileiros etc. Todos falam variantes bem democráticas da língua inglesa e raramente se entendem, mesmo falando um idioma comum. Os “estrangeiros”, evidentemente, possuem diferentes graus de domínio do idioma. Por exemplo, um biólogo coreano especialista em tratamento de águas servidas, pode ser um cientista brilhante mas um asno do ponto de vista linguístico.
Salário? O que é isso?
É imperativo desmistificar outra área também repleta de devaneios: o “salário” do intérprete. Ao saberem qual é o valor de uma jornada de trabalho, muitas pessoas multiplicam essa diária por 30 e chegam à conclusão, afoita, é óbvio, de que intérprete é milionário. Escrevi salário entre aspas porque os intérpretes são, em quase sua totalidade, autônomos e, portanto, têm renda variável. E bota variável nisso! Recentemente, fiquei 43 dias em casa sem trabalho! Justo eu, intérprete experiente, autor de quatro livros, com três entrevistas no Jô, blablablá. (Clique aqui para assistir a de 2006 e a de 2012.) E olha que não estou falando das férias escolares, Natal, Carnaval etc., épocas normalmente de estiagem. Deixo bem claro que não estou choramingando nem reclamando da vida. Sinto-me um privilegiado por fazer o que gosto e por ter tido sucesso profissional ao longo de minha carreira. Só não posso me calar e deixar que muita gente crie uma fantasia para depois se frustrar na hora em que constatar que a realidade é bem diferente.
Cf. Como ser tradutor e intérprete?
Conclusões
Em suma, quem não estiver preparado para encarar a montanha russa, no escuro, sem cinto de segurança e depois da feijoada nem deve passar perto de uma cabine de tradução simultânea. Ser intérprete não é a sua onda.
Espero que você tenha compreendido que a simultânea é algo diferente daquilo que acontece na transmissão do Oscar ou nos outros programas de TV. Tomara que você também tenha conseguido reunir subsídios para tomar uma decisão mais consciente sobre a escolha de sua profissão. Em tempo, o careca da foto não sou eu!
Cf. Oscar, Tradução Simultânea e o Porta dos Fundos
Cf. Por que não há fracionamento da tarifa?
Cf. O microfone gooseneck e a tradução simultânea
Speak up! We’re listening…
Gostou das dicas sobre o dia a dia do intérprete? Ficou faltando tratar de algum assunto importante? Por favor, envie seu comentário no rodapé da página. Nós do Tecla SAP ficaríamos muito contentes em receber o seu feedback. Muito obrigado.
O autor
Ulisses Wehby de Carvalho é intérprete de conferência, membro da APIC – Associação Profissional de Intérpretes de Conferência e responsável pelo Tecla SAP desde sua criação.
Olá professor, adorei seu texto . Atualmente sou estudante de curso de Letras, mas meu curso não é muito voltado a Tradução e Interpretação e sim para Lecionar, gosto muito de inglês , e tenho facilidade com o idioma, mas nunca fiz cursinho ou algo do tipo voltado para o Inglês, aprendi lendo alguns livros, ouvindo músicas e vendo filmes em Inglês.
Estou pensando em prestar vestibular para a faculdade de Tradução e Intérprete, mas meu medo é de ter muitas dificuldades por saber somente o básico do básico . O que o Sr. me aconselha?
Obrigada
(:
Olá,
Gostaria de saber aonde posso achar cursos para me tornar uma intérprete?
Obrigada,
Isabela
Toda profissão tem suas dificuldades, “são os chamados ossos do oficio” entretanto toda dificuldade pode ser superada a partir do momento que amamos aquilo que fazemos, ninguém vai entrar numa determinada área simplesmente por pura curiosidade, sem pesquisa, planejamento, eu por exemplo sou Tanatólogo gosto da minha profissão e quando entrei sabia o que queria e como “seria” mas me dediquei, e aconselho a todos jamais desanimarem ou desistirem de seus objetivos, mesmo que um profissional com mais de 50 anos de carreira tente te desanimar porque obstáculos existirão em qualquer carreira, mas confiança, perseverança, fé, dedicação nos levarão a alcançar nossos objetivos.
muito bom texto! sou estudante do 1o ano de tradutor e intérprete, e estes textos ajudam muito a entender o que esperar da profissão.
abs.
Pô cara,
Minha primeira decepção no longo caminho que pretendo seguir como tradutor: pensei que o cara da foto fosse você. Pelo menos, de inicio, pensei: o cara é bom…batalhador…corajoso…
inteligente…competente…experiente…e ainda é careca. Pelo menos nisso, a principio, se parece comigo…ledo engano.
Ola, Ulisses
Procurando no google acabei encontrando esse site e adorei.
Morei na Irlanda 6 anos e completei o ensino medio la. Voltei ao Brasil e estou pensando em me qualificar para trabalhar como interprete, so q o meu problema agora nao e mais com o ingles e sim com o portugues pq fiquei muitos anos fora e completei o ensino medio fora.
Mas de qualquer forma foi muito esclarecedor.
Olá, Ulisses!
Bom, meu caso é um pouco complicado. Sempre gostei de inglês desde o colégio. Me formei em Secretariado Executivo e estou correndo atrás do que realmente me deixa “animada”, se é que me entende…
Não quero ficar 5 anos em um curso de inglês e me matriculei em um intensivo. Estou realmente interessada em enveredar pelo caminho dos idiomas e peço um conselho seu. Ainda há tempo de me preparar para trabalhar com traduções e interpretações, mesmo fazendo um curso intensivo? E que outro idioma você me indica, além do inglês?
Desde já, agradeço sua atenção.
Eu quero muito me especializar nesta área!
Fiz community interpreting em Dublin na Irlanda em 2009. Eu sou professor de inglês e o que fiz foi completamente amador.Trabalhava para uma agência chamada Língua Translation Services e trabalhava com clientes angolanos, na sua maioria candidatos a asilo político.
Eu ia a delegacias, consultórios médicos e escritórios de advocacia. O que eu fazia era consecutiva (bem amador é claro).Esta experiência me agregou muito e foi muito excitante ver nos olhos das pessoas a vontade de entender o que a outra parte dizia, e isto dependia completamente de você.
Nas consultas médicas tinha muito medo e cuidado de errar na descrição do paciente e diagnóstico do médico.
À vezes tinha que interpretar conversas pelo telefone no meio da rua ou banheiros de shopping centers pois deveria estar disponível a todo tempo.
Victor,
Esta experiência que você teve conta bastante para o seu desenvolvimento profissional. Recomendo um curso de formação de tradutores e intérpretes, como o da Associação Alumni em São Paulo, para você se preparar para a interpretação de conferência.
Abraços a todos
Olá Ulisses,
Sou instrutora de inglês e fâ do seu trabalho. Há alguns meses coloquei no ar um blog com o intuito de tirar dúvidas. (já fazia isto com meus alunos, via e-mail, até que me rendi as investidas da rede. Estou curtindo bastante.
Esse assunto, intérprete, realmente dá calafrios. Obrigada por compartilhar sua experiência.
Dá uma olhada no que encontrei na net, buscando este assunto: ONONONONONONONONONON
Você postou aí também?
Parabéns pelo seu trabalho e dedicação!
XOXO
Elisangela,
Obrigado pelo comentário. Apaguei o link para o texto que você encontrou na Internet porque ele é plágio deste post que escrevi no Tecla SAP: “Sabe inglês? Vire intérprete!”, postado em https://www.teclasap.com.br/2007/10/17/artigo-sabe-ingles-vire-interprete/
Abraços a todos
Olá…adorei o blog! Era exatamente o que eu precisava ler. Adoraria uma ajuda sua – pois já vi que você tem experiência na área. Sou formada em Letras, Inglês e Respectivas Literaturas pela UnB (Universidade de Brasília) e tenho mestrado em Educação (Master of Science in Post Secondary Education, major in Instructional technology) pela Troy University, GA. Tenho trabalho como professora de Inglês por 13 anos…estou muito ‘cansada’ (desanimada) de dar aulas. Tenho pensado muito em enveredar pela área de tradução e interpretação. Tenho mandado alguns e-mails para universidades nos US, e Inglaterra (prefiro US) com pedidos de esclarecimento sobre interpreting certificate courses…não quero fazer nada agora muito sofisticado e longo. Moro atualmente em Brasília, um local excelente para profissionais desse ramo e quero começar a me preparar para atuar como intérprete. Você poderia me dizer se conhece algum curso online que me inicie nesse ramo? Sei da qualidade da Alumni, mas a escola é em SP e o curso tem duração de dois anos. Sei que vale a pena, mas estou com certa urgência de mudar de carreira…claro que mais tarde, se der certo, me aprimorarei. Na minha pesquisa online encontrei cursos com duração menor e outros poucos oferecidos online:University of Massachusetts, Boston University, e na London Metropolitan University. Poucos meses eu poderia passar estudando, não mais do que dois…e claro depois viria a prática e então eu saberia se tenho vocação para a profissão. Resumindo, o que eu quero é um conselho para quem não sabe por onde começar e como começar…Muito obrigado e parabéns pelo blog!
Olá, Ulisses
eu gostaria de tirar uma dúvida com vc. sempre me identifiquei com a língua inglesa, sempre tive muita facilidade de aprender, e hoje já estou colhendo alguns frutos. Ensino numa escola de línguas na minha cidade (interior da paraíba) e estou encerrando esse ano o curso de Letras (Português e Inglês. Bem, o que eu sempre me encantei na língua inglesa é a fala.
Adoro falar inglês, e procuro SEMPRE oportunidades de falar com estrangeiros, com meus professores, assistir filmes, sempre em inglês com legendas em inglês. Ou seja, estou me aprofundando mesmo na língua. O problema da região que eu moro é que NÃO HÁ OPÇÕES de se aperfeiçoar em nenhuma área de inglês aki. apenas em literatura (=/). aki no interior se vc estudar e for bom em inglês é pra ser professor e NADA MAIS. por isso, anseio em ser um intérprete, trabalhar em um hotel, esse tipo de coisa. mas ainda estou muito desinformado. Na net não consigo informações precisas. Onde posso fazer um curso de especialização em Formação de Intéprete de Inglês… gostaria que vc me ajudasse a encontrar um curso desses por aqui nas redondezas (recife, natal, etc.) e ao mesmo tempo me falar mais sobre a profissão de intérprete. se vale mesmo a pena seguir nessa carreira (é isso o que eu quero!)
bem, anseio pela sua resposta
adorei o site e agradeço desde já!
hugs, bro
bye
Emerson,
Obrigado pelo elogio ao site. Atuo no mercado de simultânea em São Paulo e, portanto, não tenho como indicar cursos em outras regiões do país. Já escrevi diversos textos aqui no Tecla SAP. Clique neste tag “Tradução Simultânea” e boa leitura.
Pela própria natureza da interpretação de conferência, as oportunidades serão mais frequentes em grandes centros urbanos. Por essa razão, podemos deduzir que os cursos preparatórios se concentram em cidades de maior porte.
Abraços a todos
You bet! Fiz interpretações por algum tempo para cultos religiosos, e de uma dezena de pessoas sentadas no público que falavam Inglês e Português fluentemente, ninguém se atrevia a fazer uma interpretação!
Nada de “glamour”!
Take care! Keep up the excellent work!
Fabiana,
Obrigado pelo comentário. Sua experiência ratifica o que escrevi no texto. É importante, no entanto, que fique claro que não me refiro a interpretações voluntárias feitas por bilíngues. O texto se refere a interpretação de conferência feita por profissionais com preparo formal e experiência comprovada.
Abraços a todos
hey, I liked what you wrote. Eu pretendo me formar e seguir a mesma carreira. Abraços e sucesso
mito foda,poarabeins
Mais uma vez agradeço o professor pela orientação. Comecei ler hoje (11/11/09)sobre ambos autores. Estou tomando conhecimento e selecionando os artigos publicados de acordo com o que preciso para posteriormente lê-los profundamente.
Thanx for not sugarcoating the subject but I still want to follow on that career.
Great blog, by the way.
Sincerely,
LG.
LG,
Obrigado pelo comentário. O intuito é justamente esse, ou seja, fazer com que as decisões sejam tomadas com um pouco mais de noção da realidade.
Abraços a todos
Adorei ter lido o blog do professor, cujos artigos são bem escritos e argumentados. Tenho certeza que também vou adorar ler suas obras. Sabendo da sua experiência linguistica, gostaria de saber quais são as obras que temos à leitura na área de Interpretação Simultânea. Quais das obras sugeridas é a que o professor tem ou teve como a mais fundamental à profissionalização de seu maravilhoso trabalho desde quando o iniciou. Ressalto-lhe que sei a importância de seu trabalho e, infelizmente, é fato que o interprete passa pela seguinte injustiça: se não fôr lembrado após a conferência é sinal positivo; caso contrário, este é alvo de críticas negativas, as quais são ditas, principalmente, por ignorantes no assunto. Desde já o meu muito obrigado.
Ivan,
Obrigado pelo comentário. Não escrevi livros sobre simultânea. Infelizmente, não há obras de referência em português sobre o tema. Leia as obras dos Professores Daniel Gile e James Nolan. Observe, no entanto, que por mais importante que seja o trabalho de pesquisa acadêmica em interpretação de conferência, ele não pode ser encarado como substituto da experiência prática adquirida nos cursos profissionalizantes.
Abraços a todos
Está matéria esta otima, me fez decidir seguir enfrente, , mas com amor ao trabalho e com dispocisão pode-se ter uma boa base de sustento.
me chamou atenção a parte que você disse que interprete é autonomo, e isso quer dizer que quem faz meu “salario” sou eu com minha dedicação e conciencia de que nem tudo são flores
Eldriã,
Obrigado pelo interesse e boa sorte em seus estudos. Volte sempre!
Abraços a todos
Trabalhei como interprete durante 2 dias, e como nao sabia o assunto a ser tratado e as pessoas envolvidas, estou me arrependendo ate agora o pq aceitei, foi muito dificil para eu, que nao domino termos tecnicos e muito chato para as pessoas envolvidas pq se criou uma relacao um pouco tensa em uma reuniao de negocios, com certeza nao digo "jamais" farei isso novamente, mas com certeza vou querer saber todos os detalhes da reuniao, assunto a ser tratado e pessoas envolvidas.
Anonimo,
Obrigado pelo depoimento. Parece-me que você não aprendeu a lição mesmo depois de ter passado pela experiência negativa. Supor que saber "todos os detalhes da reunião" (como se isso fosse possível!), assunto a ser tratado (como se as reuniões se resumissem a apenas um assunto!) e pessoas envolvidas é de uma ingenuidade ímpar. Tudo o que você acha essencial é apenas uma mísera parcela do todo! O que é mais preocupante é que sua postura reflete o sentimento geral de que qualquer pessoa sem preparo pode "virar intérprete" do nada. Que tal fazer um curso???? Que tal se preparar como um profissional de verdade???
Abraços a todos
Juliana,
Obrigado pela visita e pelo comentário. Volte sempre! Fico contente em saber que as dicas ajudam bastante.
Abraços a todos