Tempo de leitura: 13 minutos
Correção de ‘erros’ no speaking time
Um dos maiores desafios para o estudante de idiomas, especialmente adulto, é lidar com a insegurança, o medo de arriscar e, acima de tudo, de errar. Quando se trata de produção oral, esses obstáculos se amplificam. Mas o que causa e como contornar esses temores? Qual é o papel que a correção desempenha nesse cenário? Como criar um ambiente no qual o aluno desenvolva confiança para tentar, ‘errar’ e – ainda assim – sentir que está se comunicando de forma efetiva?
De onde vem o medo de ‘errar’
Evidentemente, existem vários fatores que prejudicam o desempenho oral de um estudante de idiomas. O professor deve sempre fazer uma observação cuidadosa da turma e avaliar os alunos individualmente. Por exemplo, um aluno colocado num nível abaixo do seu poderá ter a percepção de que não está sendo desafiado o suficiente e, consequentemente, não está progredindo. Logo, ele se sentirá desmotivado a participar. O oposto é tão prejudicial quanto o cenário anterior: o desafio é tão grande que o aluno se sente constantemente frustrado por não atingir um patamar mínimo no seu desempenho. Timidez e outros elementos também devem ser levados em consideração.
Mesmo que as situações descritas não se apliquem, a prática do speaking ainda representa a dificuldade número um para a maioria dos alunos, por ser uma habilidade produtiva e para a qual não se dispõe de muito tempo para elaboração e correção. Some-se a tudo isso um fator de grande peso psicológico e emocional: adultos já têm bastante consciência das suas habilidades – pontos fortes e fracos. No cenário social contemporâneo, um dos principais parâmetros – se não o primeiro – para se avaliar o progresso de um indivíduo é seu desempenho profissional. Dessa forma, o aluno tende a comparar seu histórico profissional (aprendizado, crescimento e conquistas) com o processo de aprender e utilizar um novo idioma. É por isso que ele se sente vulnerável e exposto ao tentar falar uma língua que ainda não domina. Num nível subconsciente, o pensamento é mais ou menos assim: “Sou respeitado pelos meus colegas e reconhecido como um profissional capacitado. Quando tento falar outro idioma e cometo erros, me sinto num patamar inferior ao meu perfil profissional”. Isso também também acontece com alunos um pouco mais jovens – neste caso, a comparação é, em geral, com o seu desempenho escolar e as expectativas que os pais têm em relação ao seu aprendizado.
Quando o aluno comete um ‘erro’ durante uma atividade de conversação e a correção acontece de imediato, a mensagem que ele recebe é que a sua produção oral não está acontecendo de forma eficiente e que determinados elementos (gramática, pronúncia…) são mais importantes que a comunicação em si. A longo prazo, poderá desenvolver o hábito de tentar revisar mentalmente todos os elementos que compõem a sua fala, prejudicando a naturalidade e fluência do processo comunicativo.
Então, como devo corrigir meus alunos?
Conhecendo o cenário acima, podemos adotar procedimentos para que a correção não potencialize os obstáculos mencionados e ainda estimule a produção oral de maneira mais fluida. Assim, criamos um ambiente propício para os alunos desenvolverem autoconfiança e aprenderem a lidar com as limitações linguísticas inerentes a cada nível. Vejamos algumas estratégias que dão um retorno positivo às experimentações dos alunos:
1. Antecipação
Antes de qualquer atividade que envolva produção oral, disponibilize na lousa o vocabulário mais relevante ou recente e, se achar necessário, pratique rapidamente a pronúncia, os tempos verbais ou as estruturas gramaticais que serão utilizadas. Dessa forma, o aluno se sentirá confiante para dar início à atividade por já ter material com o qual elaborar a sua fala.
2. Pair work
Utilize, com a máxima frequência possível, as atividades orais em dupla (pair work). Num quadro geral, o aluno se sente mais confiante ao interagir com um colega do que quando deve falar para todos os membros da classe. Ele também tende a “copiar” as estratégias do colega em maior grau do que as utilizadas pelo professor. Assim, se o outro estudante utiliza conversation fillers (I mean… / you know…), por exemplo, ele ficará mais propenso a utilizá-los também. Durante estas atividades, não interrompa as conversas para fazer correções. Apenas interceda quando for solicitado. Enquanto dá atenção a todas as duplas, anote os pontos que você acha que precisam ser corrigidos. Somente após a conclusão da atividade, utilize a lousa para fazer as correções necessárias (sem citar o autor do ‘erro’) ou prepare uma atividade para a aula seguinte utilizando aquele material.
3. KISS: conversação romântica?
Exercícios nos quais os alunos simplificam parágrafos são muito úteis para que eles aprendam estratégias de substituições. No início, a atividade pode ser escrita, evoluindo depois para parágrafo escrito –> simplificar oralmente. Ressalte o paralelo com a simplificação que eles farão sempre que tiverem dificuldades em expressar no idioma estrangeiro os seus pensamentos mais complexos em português. Faça esses exercícios com certa regularidade e, no início da atividade de conversação, lembre-os do KISS: Keep It Short and Simple (e você pensando que iam rolar uns beijinhos na aula, né?)
4. Echoing
Se o aluno usar a palavra ou estrutura inadequada enquanto se dirige a você, repita a frase com naturalidade, dando uma leve ênfase ao elemento a ser corrigido. Esta técnica se chama echoing. Por exemplo:
T: What did you do last weekend?
St: I was go to the beach last Sunday.
T: Oh, you went to the beach last Sunday. Good. Was it sunny?
Tenha em mente que o objetivo não é expôr o aluno; portanto, treine bastante e use a entonação adequada para que ele perceba a correção, sem se sentir acuado.
5. Autocorreção
Por vezes, em níveis mais avançados, o próprio aluno percebe que o termo ou estrutura utilizado é inadequado para aquela frase e solicita a intervenção do professor. Neste caso, em vez de dar imediatamente a alternativa mais apropriada, ofereça a chance para que ele próprio se encarregue da correção. Por exemplo:
St: Everybody has a cell phone actually… No, that’s not the word… How can I say that, Mr. Aguiar? Can I say ‘today’?
T: You can use an expression that has the word “days”.
St: These days?
T: Good! These days or nowadays.St: Is it okay to say “I’ve been to Recife last year”?
T: You’re speaking about a specific point in the past, right? There’s a more appropriate verb tense to speak about it…
St: Simple Past? I went to Recife last year?
T: That’s right.
Claro que todos nós adoraríamos se os alunos percebessem as inadequações e chegassem à conclusão do que é mais adequado with a little help from their friends, mas isso não vai acontecer sempre. No entanto, o exercício é bastante válido por estimular a autonomia do aluno na busca por soluções comunicativas dentro do seu próprio repertório linguístico.
Cf. Como estimular a formação de alunos autônomos
6. “Tá errado?” – “Depende”.
E quando a pergunta do aluno vem descontextualizada? “Professor, eu ouvi um cara dizendo I don’t know nothing. Isso não tá errado?”. Aproveite esse momento para discutir os registros e variações do idioma. O livro The Grapes of Wrath, escrito por John Steinbeck e publicado em 1939, retrata uma família pobre de trabalhadores rurais na sua migração de Oklahoma para a Califórnia durante a Grande Depressão. Nesse contexto, não existe erro nas reproduções das falas abaixo:
“…I never was no hand to write, nor my old man neither.”
“…(he) got all of it back—all but a sofa pilla, velvet with a pitcher of an Injun on it.”
A forma como falo com meus amigos no bar é completamente diferente daquela que uso com meu chefe em uma reunião. Até meu vocabulário muda quando estou com minha família na Bahia! Não somente gírias e expressões; gosto de usar inclusive algumas estruturas gramaticais locais, que diferem um pouco do que uso atualmente em São Paulo. Qual forma está certa? Todas! Cada registro e variação dentro do seu contexto!
Como NÃO corrigir meus alunos?
Se, por um lado, exitem atitudes que estimulam a autoconfiança e a autonomia do aluno, várias outras desencadeiam o processo inverso. Por incrível que pareça, o autor de quase todas elas é o professor. Em suma, não basta pensar no que deve ser feito, mas devemos também ter em mente o que não devemos fazer ao corrigir o aluno durante uma atividade de conversação.
1. Não atribua mais valor ao ‘erro’ do que à comunicação. Simples assim.
2. Evite corrigir o aluno no momento em que ele comete o ‘erro’. Além de interromper o fluxo da fala, a atenção do aluno é desviada das ideias que ele deseja expressar para questões estruturais da língua. Se ele está conseguindo transmitir a sua mensagem, a comunicação está acontecendo de forma válida e eficiente. Conversação é troca de ideias, e não um compilado de regras gramaticais, pronúncia extensivamente praticada e léxico 100% adequado.
3. Não transforme o autor ou o seu ‘erro’ no centro das atenções. Talvez esta seja a atitude mais prejudicial, por estigmatizar o aluno e barrar o processo de construção da autoconfiança. Normalmente, o melhor recurso é apresentar a correção num outro momento, mas sempre contextualizada (troque elementos da frase para que a classe não reconheça imediatamente o autor do enunciado). Grave a si mesmo dizendo as frases com as inadequações e exponha à turma para que eles sugiram alterações, dentro de um contexto em que a norma gramatical é a mais adequada.
4. NUNCA complete a fala dos alunos! A tentação é imensa, eu sei. Em vez disso, peça que o aluno fale que tipo de palavra ele está procurando (por exemplo, adjetivo, verbo…); se possível, peça que cite uma palavra que tenha alguma associação com a que ele está procurando, e os próprios alunos podem ajudá-lo a chegar a uma palavra apropriada, ainda que não seja a mesma.
5. Não encerre determinadas questões nos campos ‘certo’ e ‘errado’. Como discutido anteriormente, o contexto é quem vai dizer se determinado uso é adequado ou não. Ainda assim, devemos manter em mente que a comunicação acontece mesmo quando os elementos linguísticos não obedecem um mínimo de critérios preestabelecidos para o que é adequado ou não. Mesmo que o falante diga Next month I will going to traveling to Mexico, você será completamente capaz de entender que ele está expressando uma ação num tempo futuro. A comunicação aconteceu, ainda que o enunciado contenha tantas inadequações. Observe que, quando se trata de atividade controlada (por exemplo, aula sobre passado simples, os alunos perguntam e respondem sobre o final de semana passado), é válido lembrá-los da estrutura a ser praticada. Se a atividade for de conversação, evite a correção imediata. Neste caso, uma comunicação eficiente (ainda que não 100% exata) é mais relevante e benéfica para o aluno.
6. JAMAIS diga que determinada colocação é um ‘erro’ de aluno do nível básico, que é muito feio ou grave ou que não deveria ocorrer por ser assunto tão fácil. Num só golpe são destruídas a auto-estima e autoconfiança do aluno, a empatia com o professor e a motivação para continuar tentando. Pode dar adeus a este aluno: ele não voltará no próximo semestre.
Já li os DOs and DON’Ts. E agora?
Estimule um ambiente no qual seus alunos não se sintam julgados e estigmatizados, onde eles se sintam confortáveis e confiantes para fazer experimentações com o idioma e se comunicarem livremente, sem medo de ‘errar’. Promova bastante speaking time: tenha em mente que as estrelas são os alunos; nós, professores, somos os coadjuvantes desse show de crescimento e desenvolvimento. Elogie sempre! Todo esforço é válido e toda comunicação eficiente (independente de inadequações) é uma vitória para os aprendizes. Se possível, grave algumas atividades logo no início do curso e as reproduza no final do período letivo, para que eles consigam perceber quanto já progrediram. Por fim, desconstrua a ideia do falante perfeito! De forma descontraída, conte aos seus alunos situações em que você mesmo cometeu gafes e como as contornou, e como elas se tornaram lembranças divertidas de um aprendizado corajoso.
Uma última observação: por que usei o termo ‘erro’ entre aspas? Porque o falante nunca está errado! Ou ele se comunica, ou não. Se essa comunicação acontece de forma adequada dentro dos diversos contextos, registros e variações, aí já é conversa para outro post… 🙂
Cf. Google: como fazer pesquisas para tirar dúvidas de inglês?
Cf. Como melhorar o listening? A dica que você nunca ouviu…
Cf. O mico da professora de inglês que você deve evitar
Speak up! We’re listening…
O que você achou do texto “Correção de erros no speaking time“? Vou adorar ler sua opinião na seção de comentários, no rodapé da página. Se você adotar alguma outra estratégia ou técnica de correção com seus alunos, por favor, compartilhe a informação com seus colegas.
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Operador, como vai?
Muito obrigado pelo interesse no Tecla SAP. Assista ao vídeo: “A ou AN: como usar o artigo indefinido em inglês?” em https://youtu.be/_6Jivvu9–8
Abraços
Wadson, tudo bem? A gente tem mais é que aproveitar as adversidades como ensinamentos. Nesse caso, a lição é: estimule a comunicação oral dos seus alunos! Obrigada pelo comentário. Abraços.
Adriana, parabéns pelo excelente artigo.
Realmente não existe nada mais ‘esfriante’ para aquele que está aprendendo um novo idioma (ou até qualquer outra habilidade) do que ter
alguém atrás dele o corrigindo ‘no ato’.
Acho o recurso de echoing muito bem apropriado para uma correção qualquer. Ás vezes, mesmo até sem ênfase ao elemento a ser corrigido. Basta uma repetição normal (ou duas) do termo a ser corrigido, e o aluno curioso e interessado irá aprender sem dor nem trauma nenhum.
Mais uma vez, parabéns pelo brilhante artigo.
Keep up the good work.
Karneiro, tudo bem? Também uso bastante esta técnica e vejo na prática como dá bons resultados. Aliás, tive um professor brilhante, com quem aprendi muito do que hoje utilizo na correção dos meus alunos. Obrigada pelas palavras simpáticas e volte mais vezes!
Olá, Leonardo, tudo bem?
O seu relato, na verdade, é mais comum do que você imagina. Já tive vários alunos que me fizeram o mesmo pedido, baseados nas mesmas justificativas. Entendo que a correção imediata apresenta um resultado também imediato que é muito mais facilmente notado pelo aluno. O que passa despercebido são os ganhos a médio e longo prazo. Por exemplo, em interações fora do ambiente escolar, dificilmente as pessoas vão te corrigir daquela forma (soa rude e arrogante); intuitivamente, os falantes (não-professores) corrigem de outras formas que não a imediata – observe como isso acontece mesmo em português! Note que no item 5 de “Como NÃO corrigir…” menciono que em alguns casos a correção imediata se faz necessária e muito útil; em outros, ela não passa de um empecilho para a comunicação e construção do raciocínio lógico. Alguns alunos, como você, lidam bem com interrupções e correções a cada “deslize”, por menor que seja – é uma vantagem que você leva no seu processo de aprendizado! Para outros, porém, é uma tortura, o que os leva a simplesmente desistirem de tentar. É fundamental que o professor tenha sensibilidade para priorizar o que é realmente importante no desempenho do aluno a cada momento!
Os alunos nos pedem muitas coisas diferentes; por exemplo, sempre traduzir tudo o que se diz em sala, passar mais tarefas para casa, nunca passar tarefas para casa… Todos eles têm justificativas plausíveis do seu ponto de vista – as quais eu entendo perfeitamente! Porém, cabe ao profissional analisar se, ao atender essas solicitações, estará proporcionando o melhor ambiente de aprendizado possível para o seu aluno.
Abraços!
Como sempre ótimas dicas para todos que ensinam ou aprendem inglês.
Muito bom. Parabéns.
Obrigada pelo interesse e pelo comentário simpático, Gustavo! Abraços.
Muito bom. Esse ‘conter o ímpeto’ de corrigir os alunos logo após a inadequação foi a primeira coisa que tive que corrigir há alguns anos. Outro texto SVU- Simple and Very Useful!!! Abraços,
Anita
Olá, Anita. É difícil conter esse ímpeto, mas ver os alunos progredindo com os próprios esforços não tem preço! Abraços.
I’d like that I have had teachers like that when I was child.Congratulation for the excellent post
I’m sure your students enjoy your classes! Thanks for your kind words!
Adriana e Ulisses, muito bom o texto, reconheci vários bons profs. nas dicas!
Cristina, que bom que você está cercada por profissionais que acreditam no potencial dos seus alunos! Volte mais vezes!
Adorei o texto! Parabéns! Acho que uma das melhores dicas é “deixe o seu aluno brilhar”, nesses momentos o professor não precisa mostrar o quanto ele sabe (se ele é o professor isso é meio que óbvio). Outra dica fantástica é a técnica do “echoing”. Eu usei isso para ensinar meus filhos a falar e foi muito positivo.
Ivana, suas palavras são certeiras! O professor que realmente deseja dar autonomia aos seus alunos adora a postura de facilitador, muito mais do que de provedor. Abraços!
Ai, Adriana, ouvi tanto ‘erro de nível básico’, ‘questão trivial’ e ‘ridículo’ na minha graduação, que perdi a conta 🙁 At least, it’s over now.
Excelente texto e vale para todo tipo de ensino, não só do inglês!
Verdade, Patrícia! Todos nós deveríamos estar abertos a ouvir antes de julgar, especialmente os educadores! Obrigada pela sua
contribuição!