Falsos cognatos: quando as semelhanças atrapalham

Tempo de leitura: 10 minutos

by Ulisses Wehby de Carvalho

FALSOS COGNATOS

Falsos cognatos: quando as semelhanças atrapalham

Quem é que nunca se confundiu ao se deparar com uma palavra em inglês que possui semelhança, fonética ou ortográfica, com um termo da língua portuguesa? Atire a primeira pedra quem não foi vítima, pelo menos uma vez, dos falsos cognatos. São muitos os exemplos de palavras que certamente levam alunos de todos os níveis e até mesmo profissionais experientes a cair nas armadilhas criadas pelos “falsos amigos”. É provável que você já esteja pensando em alguns deles: exit, eventually, pretend, library, etc.

Sabemos muito bem que o esforço despendido no início do processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é de fato muito grande. Talvez por essa razão, instintivamente, comecemos a unir os vocábulos estrangeiros que são parecidos com alguma palavra de nosso idioma materno como nos casos de term e “termo”, part e “parte”, vocabulary e “vocabulário”, etc. Dessa forma, podemos dar mais atenção àqueles termos cuja memorização é mais trabalhosa, por exemplo, think, ox, learn, tired, bee, obnoxious, flabbergasted, etc.

Não há nada de errado com esse processo, pois, afinal de contas, as duas línguas possuem um número muito grande de palavras parecidas. Muito bem, se há muito mais cognatos verdadeiros do que falsos, qual o motivo de tanta preocupação? Não bastaria decorar uma lista com os principais falsos cognatos e o assunto estaria resolvido? Se o problema fosse só esse, entretanto, a resposta a essa pergunta poderia até ser afirmativa.

Iniciantes e experientes

Vale ressaltar que os mal-entendidos causados pelos falsos cognatos não se limitam ao momento em que são traduzidos, pois seus efeitos podem se materializar até mesmo em fase anterior à tradução, ou seja, durante a leitura e a interpretação de um texto oral ou escrito. Portanto, as suas vítimas não se restringem aos alunos iniciantes que ainda não conseguem “pensar” em inglês. Até mesmo os mais fluentes no idioma, que não recorrem à tradução das palavras para compreenderem um texto, podem ocasionalmente se confundir.

Puros e eventuais

Podemos dividir os falsos cognatos em duas categorias: puros e eventuais. Os primeiros são termos que nunca significam o que parecem querer dizer. Por exemplo, library não é “livraria”, pretend não quer dizer “pretender”, exit jamais significa “êxito”, jest nunca é “gesto”, straight não quer dizer “estreito”, entre muitos outros.

As palavras que se enquadram no segundo grupo, também chamadas de polissêmicas, podem eventualmente ser traduzidas pelo termo cognato em português. Há, entretanto, outros significados importantes que merecem destaque.

Por exemplo, service pode significar “serviço” mas também “culto (religioso)”, union quer dizer tanto “união” quanto “sindicato”, justice pode ser “justiça” e “juiz”, Jordan significa “rio Jordão” e “Jordânia”, o verbo introduce pode ser traduzido por “introduzir” e “apresentar”, bachelor é “bacharel” e “solteiro”, etc. Nem sempre a acepção cognata é a mais comum embora, na grande maioria das vezes, seja a escolhida pelo brasileiro. O outro significado acaba geralmente sendo preterido.

A influência nem sempre é nociva

A segunda metade do século XX marcou por certo o período em que a língua inglesa passou a exercer influência significativa sobre a língua portuguesa, muito maior do que a exercida por outros idiomas. As razões dessa ascensão do inglês ao status de língua universal foram amplamente debatidas em uma série de artigos publicados recentemente nesta revista. Só para ilustrar, podemos destacar os predomínios econômico, político, cultural, técnico e científico das nações de língua inglesa e a evolução tecnológica sem precedentes dos meios de comunicação.

Não há dúvida de que ao longo da história as línguas influenciaram e sofreram influência de outros idiomas, haja vista a presença de termos oriundos do latim, do grego e do francês, entre outras, no português falado nos dias de hoje. Para citar apenas alguns empréstimos do século passado, há os casos de “futebol”, “abajur”, “buquê”, já aportuguesados, e “milk-shake”, “shopping center”, “mouse”, etc., que foram assimilados mantendo-se a grafia original e já estão dicionarizados.

O que mudou na verdade foi a velocidade com que essa influência passou a ocorrer. Transmissões via satélite, Internet, TV a cabo, telefonia móvel, e-mail, vídeo-conferência, etc. estão tão presentes no cotidiano dos grandes centros urbanos que, por vezes, nos esquecemos de que eles não existiam poucas décadas atrás. Como resultado, termos da língua inglesa aportam em nosso idioma em frequência e volume nunca observados antes.

Purista, eu?

Não defendo, no entanto, a “reserva de mercado” da língua portuguesa, pois tentar engessar um idioma é o mesmo que condená-lo à morte. Não sou purista radicalmente contrário à presença de neologismos e não gostaria de deixar essa impressão. Só para ilustrar, gosto mesmo é de “futebol” e não de “ludopédio” nem de “balípodo”.

Gostemos ou não de transformações, as línguas irão acompanhar as mudanças das sociedades e das culturas em que estão inseridas. Por outro lado, mesmo correndo o risco de parecer incoerente, não creio que devamos aceitar passivamente essa onda, quase maremoto, de estrangeirismos. Então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Acredito que precisamos estar sempre atentos para detectar as falsas semelhanças que podem induzir a equívocos de compreensão de texto e fazer com que sejam cometidos deslizes involuntários.

Ninguém, suponho, confunde shopping com “chope” mas, dentre os vocábulos da língua inglesa que são incorporados ao nosso idioma, os que possuem semelhança com termos de nosso idioma têm grande potencial de causar confusão. Os efeitos causados pela presença de termos da língua inglesa em nosso idioma podem ser divididos em quatro grupos. Destes, apenas um pode ser prejudicial à nossa língua:

Revitalização de palavras menos comuns

O substantivo “acurácia” passou a dividir espaço com “precisão”, “congratular” está quase tão conhecido quanto “elogiar”, o termo “audiência” passou a ser empregado mais freqüentemente como sinônimo de “público” ou “platéia”, “encorajar” é quase tão comum nos dias de hoje quanto “incentivar”. É claro que devemos o emprego mais frequente desses termos da língua portuguesa às palavras accuracy, congratulate, audience e encourage.

Criação de novas palavras

Em geral, não há tradução consagrada em português para os vocábulos que descrevem inovação científica ou tecnológica. Os exemplos são “software“, “air bag”, “scanner”, entre muitas outras. É evidente que pode haver mais de uma alternativa aceitável de tradução para essas palavras. No intuito de se evitar eventuais ambigüidades, entretanto, técnicos, cientistas e profissionais de uma determinada área acabam adotando a forma original. Como o acesso a manuais, documentos, trabalhos científicos, etc. em inglês está cada vez mais facilitado, esses termos se consagram em inglês mesmo e, se são usados pelos especialistas, nenhum outro indivíduo se atreve a modificar o que já está enraizado entre os conhecedores do assunto.

Acho que não há muito o que possa ser feito, pois os termos já estão bastante difundidos. Também acredito que esse não é um problema grave para a nossa língua. Esse é o tipo de influência que pode ser classificada, muitas vezes, como benéfica.

Modismo

O emprego na língua portuguesa de palavras inglesas para as quais há tradução consagrada em português, por exemplo, delivery, diet, low profile, etc. não passa de modismo grotesco e infundado. As pessoas que as usam têm a ilusão de estar na moda ou acham que estão demonstrando inteligência, bagagem cultural, etc. Trata-se, na verdade, de comportamento que denota afetação tola e descabida. O que há de errado com “entrega em domicílio”, “dietético” e “discreto”?

Não estou nem falando das asneiras linguísticas cometidas por quem quer demonstrar ter o conhecimento que não tem. Você nunca ouviu uma emergente dizer algo do tipo “vou ter aula com o meu personal training“? Ela não sabe que chique é falar duas ou mais línguas, mas sempre uma de cada vez! Em geral, o uso de vocábulos e expressões redundantes não resiste ao teste do tempo e não chega a ser nocivo para o idioma pátrio.

Criação de significados esdrúxulos

Mal maior, a meu ver, ocorre quando brasileiros passam a traduzir incorretamente termos da língua inglesa e acabam deturpando o significado de vocábulos da língua portuguesa. Um exemplo disso é o que aconteceu com a palavra “consistente”. Pelo fato de consistent também significar “coerente” e “constante”, o adjetivo “consistente” passou a ser empregado com esses sentidos. É comum vermos a expressão “informações consistentes” quando se quer dizer “informações coerentes”. Esse fenômeno ocorre, na minha opinião, devido a dois fatores: falta de conhecimento de nosso idioma e a velocidade com que as palavras em inglês transitam pelo mundo hoje em dia.

Há inúmeros exemplos nessa categoria: education (muitas vezes “educação” é o termo usado quando se quer dizer “escolaridade”); plant (“planta” é quase sempre a palavra usada na tradução quando se quer dizer “fábrica” ou “usina”); industry (usa-se “indústria” em situações em que “setor (econômico)” seria mais indicado); application (“aplicação” é por vezes a opção adotada nos casos em que “requerimento” seria a palavra ideal); freeze (já ouvi alguém empregar o verbo “frisar” com o sentido de “congelar”!), entre muitos outros. Aliás, já ouvi gente dizendo que vai “introduzir” alguém quando se quer dizer simplesmente “apresentar” uma pessoa!

Conclusão

Os termos estrangeiros costumam desembarcar na língua portuguesa por meio das pessoas bilíngues. Por esse motivo, nós, os bilíngues profissionais, temos uma responsabilidade ainda maior do que a dos amadores. Professores em geral, mais notadamente os de inglês e de português, tradutores, intérpretes e outros profissionais da área desempenham papel preponderante na formação lingüística e cultural de grande parte da população. Assim como os escritores, estamos constantemente reinventando a língua de nosso país. É evidente que não somos os únicos a desempenhar essa tarefa. Todos, em maior ou menor grau, contribuem para que a língua portuguesa se mantenha viva e vibrante. O único diferencial é que nós estamos na linha de frente e devemos prestar especial atenção àquelas palavras que possuem semelhança com outros termos da língua portuguesa, pois elas são armadilhas muito bem dissimuladas.

Em suma, embora acredite que a soberania nacional não está ameaçada por uma invasão de estrangeirismos, metaforicamente, podemos nos considerar guardiões da língua portuguesa. Não me refiro, é claro, a um grupo radical que impõe a repressão xenófoba, castradora e intransigente, mas, sim, a profissionais que, com equilíbrio, apontam onde estão os excessos, as redundâncias, os modismos tolos, enfim, o que é supérfluo. Podemos e devemos, enfim, oferecer orientação e outras alternativas de tradução para os mais incautos. Sem paranoia.


Livros sobre Falsos Cognatos

Cf. Guia Tecla SAP: Falsos Cognatos

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Cf. Listening? Como melhorar o listening? A dica que você nunca viu!

Cf. Tradutor e intérprete: como se tornar um profissional da área?

Cf. 10 dicas infalíveis para você aprender inglês de uma vez por todas!

Cf. 10 erros mais comuns de quem estuda inglês e como evitá-los


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Jeannie Ramirez
Jeannie Ramirez
7 anos atrás

Sou nova no canal e estou adorando. Além de fluente em inglês, você escreve muito bem em português!

Ulisses Wehby de Carvalho

Poliana,

Thanks for taking the time to write to us. That’s very kind of you.

Take care

Ivan Silva
Ivan Silva
12 anos atrás

Ótimo artigo, sempre quis saber o que as revistas informam que tal pessoa é low profile, mas vejo que as pessoas de outros países misturam algumas frases com outra língua estrangeira, vão falando e soltam os seus termos, conversam em árabe e dizem bye, até um “yalla, yalla” “vamos, vamos” no meio das frases em português.

neusa aparecida cardoso da silva
neusa aparecida cardoso da silva
13 anos atrás

Dear: tem um erro de datilografia no seu texto acima. Deve-se dizer “esforço despendido” e não “esforço desprendido” como constou. Abraço e obrigada por seu inestimável trabalho.

Luiz Mourão R.Jr.
Luiz Mourão R.Jr.
13 anos atrás

Gostei muito deste seu artigo. Os professores de antigamente(10 anos, se tanto) respeitados que eram nas salas de aula passavam oralmente a nossa língua aos alunos. Hoje, derrotados pela pressão informática e televisiva, ouvem e são quase obrigados a utilizar palavras e expressões erradas, mas consagradas, para se fazerem entender. Sua postura e maneira de pensar merece divulgação.Obrigado

Alexandre
Alexandre
13 anos atrás

Ah, lembrei de um episódio que aconteceu com um brasileiro nos Estados Unidos logo após o incidente de 11 de setembro. Ele estava levando uma “bomba” (pump) em sua bagagem e quando foi perguntado pelo pessoal do aeroporto sobre o conteúdo, respondeu que era uma “bomba” (bomb), o que, nem preciso dizer, que causou um alvoroço danado no aeroporto. Na minha opinião esse é um caso típico de falso cognato devido à semelhança de grafia e fonética. É claro que, como profissional de tráfego aéreo, às vezes me deparo com algumas coisas do tipo “We have a suspect of hydraulic pump failure…” e “we have a suspect o bomb on board…”. A primeira é a “bomba hidráulica” e a segunda é a “bomba que faz booom” (rsrsrs). Nesse caso deve-se tomar muito cuidado na hora de escolher a palavra correta pois, como aconteceu com o brasileiro, pode acontecer com qualquer um e imagine como será para explicar isso?

Alexandre
Alexandre
13 anos atrás

Bom dia. Gostei bastante do texto. Palavras que podem nos induzir a erros existem em todos os idiomas e no ingles não é exceção. Sou profissional de tráfego aéreo e estou sempre me deparando com palavras pronunciadas erradas ou ditas de forma incorretas pelos controladores que trabalham comigo. A mais comum para nós é “instrument”, que pode ser usada para a parte física dos aviões ou para se referir a condições atmosféricas. Exemplo: ” Não estamos recebendo seu transponder. Verifique seu instrumento de bordo.” e “Aeroporto Iinternacional de São Paulo está operando por instrumentos com teto de 500 pés e visibilidade horizontal de 800 metros.” A maioria acha que se pronuncia como em português, “instrúment”, com acento no “u” mesmo, quando o certo é “Ínstrumênt”.Outro dia me deparei com uma dúvida. Um controlador queira dizer ao piloto o seguinte: “talvez o senhor devesse reduzir sua velocidade para não precisar fazer uma espera sobre a posição X.”. Ele ficou na dúvida entre “maybe”, “perhaps”, “reduce” e “decrease”. Ai ele falou assim: “perhaps you can reduce your present speed for not circling over the position X.” Como eu também tínha dúvida sobre essas palavras, disse a ele que, nesse caso, poderia usar ambas que teriam o mesmo significado e o piloto entenderia facilmente. Minha supresa foi que o piloto retrucou um “say again” bem alto. É claro que nenhum controlador de voo no Brasil é 100% fluente em inglês para escolher a melhor expressão. Então o controlador repetiu e o pilot, num tom de acho que ele disse isso, respondeu que iria reduzir a velocidade. Então fica minha dúvida: como eu poderia dizer essa frase sem causar desentendimento? Estou gostando muito de visitar esse blog. Tem me ajudado muito em meu trabalho e também em minha vida pessoal. Estão de parabéns. Obrigado

Adalberto
Adalberto
14 anos atrás

Eh realmente engracado essa coisa de falso cognato. Moro no Canada e namoro uma canadense aqui. Certo dia, enquanto estavamos comecando o relacionamento, conversavamos sobre namoro, quando ela me dizia que nao gostava de ser “compromised”… Eu que jah estava apaixonadinho.. fiquei meio triste pensando que estava levando um fora.. “Ela nao estah afim de compromisso”, pensei..
A gente jah saia fazia algum tempo, trabalhavamos juntos e ela jah conhecia quase todos os meus poucos amigos. Disse pra ela que soh achava estranho quando alguem perguntava o que nos eramos e eu dizia que eramos amigos, foi quando ela, depois de um susto, me perguntou: “Voce tah dizendo que somos amigos???”.
Fiquei espantado com aqueles olhos azuis surpresos e disse que nao sabia o que falar e agora que ela disse que nao queria nenhum “commitment”, era o que eu iria dizer.
Foi quando ela me explicou a diferenca entre “to compromise” e “commitment”.

=]

brenda pn
brenda pn
16 anos atrás

ai adorei td foi uma boa ajuda
mais precisa de mais palavras

Ulisses Wehby de Carvalho
Ulisses Wehby de Carvalho
17 anos atrás

Eden,

Obrigado pelo comentário acima. Confesso que não conhecia o termo “logofar”. Suponho que deva existir “logonar” também, né? 😉

Abraços a todos

eden
eden
17 anos atrás

Algumas palavras realmente chegam a doer nos ouvidos, e olha que particularmente sou bastante generoso em aceitar alguns despautérios. Trabalho na área de informatica e neste meio, palavras em inglês são amplamente utilizadas. Mas a pior, sem sombra de duvidas, é LOGOFAR (do LOG OFF utilizado em sistemas).

Ulisses Wehby de Carvalho
Ulisses Wehby de Carvalho
17 anos atrás

Nelson,

Obrigado pela participação e pelo comentário. Espero que você consiga se “policiar” um pouco mais. Mas nada de exageros, ok? O “crime” não é tão feio assim… hehehe…

Abraços a todos

Anonymous
Anonymous
17 anos atrás

Meu caro professor..
Eu concordo plenamente com esse seu comentário (já ia escrever “post”..)
Como bilingue, frequentemente uso essas odiosas expressões em inglês para dizer o que já possui similar em nossa língua..faze o que..vou me policiar mais. Façamos como os Portugueses, que não caem nessa armadilha tão facilmente..
Abçs
Nelson