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Marina Bevilacqua de La Touloubre
Security – Valor Mobiliário, Caução ou Garantia Real?
Uma dúvida que aflige tradutores e advogados que trabalham com a língua inglesa é o sentido técnico do termo security nas diferentes áreas do Direito.
Contexto é a palavra de ordem quando se trata da acepção específica de um termo que admite mais de um sentido numa mesma área científica. Daí a regra de que a pesquisa deve partir do contexto.
Observamos que security aparece com frequência tanto no Direito das Obrigações como no Direito Societário. Pode significar garantia, caução, valor mobiliário, sendo que neste último caso pode referir-se à própria ação representativa do capital ou participação societária (equity security), ou ao título de dívida (debt security).
Sabemos que na linguagem leiga, security significa segurança. Não por acaso, é exatamente dessa acepção que deriva um de seus sentidos técnicos, o do direito das obrigações: garantia ou garantia real.
Trazendo o conceito para o nosso ordenamento, lembramos que existem duas espécies de garantia no Direito brasileiro: a real e a fidejussória, também chamada de pessoal. Na primeira, alguma coisa (res, origem da palavra real) é oferecida, ou mesmo entregue ao credor, como garantia de pagamento por parte do devedor. Já na segunda, em que a garantia é pessoal, não há vinculação de um bem que garanta a dívida; nesse caso, quem se obriga é a pessoa – geralmente um terceiro – que passa a responder pela dívida com seu patrimônio pessoal.
Exemplos de garantia real do nosso sistema jurídico são o penhor, que se perfaz mediante a entrega de bem móvel (personal property; movable; chattel), oferecido em garantia ao credor; e a hipoteca, em que sobre o bem imóvel (real property; real estate), oferecido em garantia, recai um ônus ou gravame (lien, burden ou encumbrance), razão pela qual seu titular não pode aliená-lo, sob pena de incorrer em fraude contra o credor. Ambos referem-se à expressão security interest, que significa “direito real de garantia”.
Portanto, observamos que a garantia real envolve sempre um bem, seja ele móvel ou imóvel, que fica vinculado (mediante sua entrega ou não ao credor) à dívida contraída. A essa garantia o direito norte-americano dá o nome de security interest.
Outra espécie de garantia é a pessoal, ou fidejussória. Nesse caso, não há vinculação de um determinado bem ao pagamento da dívida. Quem se obriga é a pessoa, um terceiro que não o devedor principal. Dois exemplos de garantia pessoal no Direito brasileiro são a fiança (guaranty) e o aval (suretyship obligation). Na fiança, se o devedor principal deixa de pagar o credor, este pode voltar-se contra o fiador, que terá a obrigação subsidiária de pagar a dívida. No aval, o avalista é considerado co-devedor (joint debtor) em relação ao devedor principal, cabendo ao credor o direito de cobrar tanto de um como do outro. Com isso, diz-se que o avalista não goza do chamado benefício de ordem (benefit of secondary liability) que protege o fiador. Quer dizer, o fiador só paga se o devedor principal não o fizer. Esse tipo de garantia corresponde à guaranty (também grafada guarantee) do sistema de common law.
Tudo fica mais claro na prática, quando procuramos “traduzir” as expressões estabelecendo equivalências nas duas línguas e nos dois sistemas, sempre respeitando os conceitos subjacentes aos termos. Vejamos alguns exemplos:
- Security agreement – contrato de garantia real; contrato pelo qual se estabelece garantia real
- To offer/grant/give/pledge something as security – oferecer bem em garantia/caução
- Security deposit – depósito-caução (contratos de locação); depósito de valor a título de garantia
- Security for court costs – caução de custas judiciais
- Security interest – direito real de garantia; garantia real
- Guaranty – garantia pessoal ou fidejussória; fiança (também observamos nos textos técnicos originalmente redigidos em inglês que muitas vezes usa-se a grafia guarantee para designar garantia pessoal, como sinômino de guaranty. Mas chamamos a atenção dos leitores para o fato de que, embora ocorra com alguma frequência, a grafia correta de garantia pessoal em inglês é guaranty, já que guarantee, a rigor, designa o beneficiário da garantia)
- Guarantee – beneficiário da garantia pessoal (observada a ressalva acima)
- Bank guaranty – fiança bancária (observada a ressalva acima)
Os leitores devem estar se perguntando onde entra o termo collateral. Collateral, entre outras acepções alheias ao direito real de garantia, é sinônimo de security interest. Na verdade, tem origem na expressão collateral security, que significa garantia real.
Passamos, agora, para o contexto do Direito Societário, em que security ou securities são valores mobiliários, títulos representativos de valores relacionados ao capital social da empresa que os emite, e que geralmente são negociados nas bolsas de valores (stock markets) ou mercados de balcão (over-the-counter markets), que são mercados de títulos e valores mobiliários cujas operações não são supervisionadas por entidade auto-reguladora. Observamos as seguintes equivalências:
- Equity security – participação acionária; participação societária; ação representativa do capital
- Debt security – título de dívida
- Security holder – portador de título ou valor mobiliário
- Securities – valores mobiliários
- Securities Act – Lei do Mercado de Capitais
- Securities and Exchange Commission (SEC) – Órgão responsável pela regulamentação dos mercados a vista e de opções de valores mobiliários dos Estados Unidos
- Securities and Investment Board (SIB) – Antiga denominação do atual Financial Services Authority (FSA), órgão responsável pela regulamentação dos mercados de valores mobiliários e de derivativos no Reino Unido. A alteração do nome ocorreu em 1997.
E para todos os que preferem se “garantir” antes de arriscar um palpite, sugiro que sempre consultem dicionários jurídicos monolíngues em português e em inglês, considerando-se que são inúmeras as ramificações conceituais que um termo pode admitir.
Lembrete final: o sistema jurídico de common law é aplicado em diversos países cuja língua oficial é o inglês. Por isso, procurem saber qual o país ou ordenamento jurídico do texto em que aparece o termo pesquisado antes de atribuir-lhe um sentido.
A esse respeito, lanço aqui um desafio cuja resposta virá em nosso próximo post: Por que é importante saber da origem do texto jurídico em inglês que traz a palavra bylaw?
Marina Bevilacqua de La Touloubre é advogada, tradutora, intérprete e professora de inglês jurídico na Escola Superior de Advocacia da OAB/Paraná, no Instituto dos Advogados de São Paulo, na Associação dos Advogados de São Paulo e na Associação Alumni (SP). Confira o perfil completo.
[…] Da garantia real falaremos em outra oportunidade. A propósito, aqui mesmo no Tecla SAP há uma referência de nossa lavra a esse respeito, que vale conferir: “Security: Valor Mobiliário, Caução ou Garantia Real?”. […]
Uau! Parabéns, Marina, artigo extremamente contundente e, ainda assim, didático. Parabéns também ao Tecla Sap, por contar com colaboradores deste calibre.
Marina, parabéns pelo texto. Muito esclarecedor.
Obrigada, Fernanda. Fico ainda mais grata por vir de uma expert como você!
Com essa nova coluna, o site ganhou mais pontos ainda comigo (se era possível!). Aprendo inglês, e, de quebra, ainda ganho uma senhora revisão de Direito. Se melhorar, estraga!
Marina,
You’ve hit the nail on the head!
Congratulations
Fernanda
Danilo, é com grande satisfação e alegria que recebo seu generoso elogio. Muito obrigada!
Um grande abraço,
Marina
Digo da impressão que a Marina causa quando escreve sobre esses assuntos o que digo do SPFC: Eu já sabia!
Parabéns, Marina
Parabéns, Ulisses (mas o passe dela tem dono, viu?)
Jayme,
Tudo bem? Concordo só com a primeira parte do texto… 😉
Abraços a todos
Nossa, Ulisses, que susto! A princípio pensei que você tivesse virado tradutor jurídico. Depois vi que era coisa da Marina e o susto passou. Grande Marina, grande artigo. Parabéns.
Danilo,
Tudo bem? Obrigado pelo comentário. Um elogio assim vindo de você, conta muito para o blog e também para a Marina. Valeu!
Abraços a todos