Tradução simultânea, obesidade infantil e o beija-flor

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Ulisses Wehby de Carvalho

Tradução simultânea, obesidade infantil e o beija-flor

Depois de mais de 20 anos de profissão, é natural que muitos trabalhos de tradução simultânea se tornem rotineiros e, de certa maneira, repetitivos. Suponho que o fenômeno seja comum a muitos profissionais nas mais diversas atividades. Já contei aqui no blog histórias de alguns eventos que, de uma forma ou de outra, foram marcantes. Entre vários textos, “Vida de intérprete: Traduzir heróis” e “Tradução simultânea em aldeia indígena” são bons exemplos.

obesidade infantil

Na última semana, voltei para casa com a mesma sensação boa de dever cumprido, mesmo sem ter traduzido nenhum chefe de estado ou personalidade importante. O assunto era, por natureza, interessante, pois se tratava de um jantar que marcava o início de um projeto cujo objetivo principal é a promoção do consumo consciente e de hábitos alimentares mais saudáveis para combater a obesidade infantil (child obesity). Não há dúvidas de que o tema é relevante, porém o que mais me chamou atenção naquele dia foi a reação de um dos participantes.

Cf. Como ser tradutor e intérprete?

As reações da plateia

Antes de descrever as reações dessa pessoa, acho importante você saber que há três tipos de participantes em um evento com tradução simultânea. O primeiro grupo reúne as pessoas que entendem o idioma original e nem usam o fone de ouvido. O segundo é composto por quem entende parcialmente a língua do orador e usa o fone da tradução “só para garantir”, como costumam dizer. O terceiro é formado pelas pessoas que dependem 100% da tradução por desconhecerem o idioma do palestrante.

Nós, os intérpretes, percebemos quem é quem justamente pelas reações do público. Em geral, as pessoas que não estão de fone reagem primeiro, assim que o orador conclui uma sentença. Tenho o hábito de observar as pessoas de fone porque, de certa maneira, suas reações são um bom indicador da qualidade do trabalho dos intérpretes.

Um rapaz nesse evento da semana passada estava sentado bem perto do palco e só reagia depois de eu concluir a tradução de uma frase, o que comprova que ele pertencia ao terceiro grupo. Era um balançar de cabeça, um discreto movimento dos ombros, um sorriso ou uma expressão facial que demonstravam que ele acompanhava a linha de raciocínio de quem falava. Esse jovem deixava bem claro para os oradores da noite – e para mim também, é claro – que ele estava muito interessado no tema e participava plenamente do evento.

Lição de humildade

Aprendi uma lição naquela noite fria de São Paulo: não importa se o assunto do evento é interessante para o intérprete. A minha satisfação se deu porque nosso trabalho permitiu a participação integral desse rapaz na reunião. A forma com que ele interagiu com os oradores, seu sorriso largo nas horas engraçadas, sua expressão mais fechada nos momentos tristes e o entusiasmo na hora de aplaudir deixaram bem claro que as aparências nem sempre enganam.

Embora a tarefa de combater a obesidade infantil, entre outras, seja árdua, torço de verdade para que a iniciativa tenha sucesso e que atinja seus objetivos. A gente sabe que não vai mudar o mundo de uma hora para outra, mas, a meu ver, a vida só tem sentido se não deixarmos o sonho morrer, seja ele do tamanho que for. Se apenas uma criança obesa passar a ter hábitos alimentares mais saudáveis – e ficar menos vulnerável a uma série de enfermidades – já terá valido a pena.

Cf. Intérprete ou engenheiro?

O beija-flor e o incêndio na floresta

beija-flor

Você conhece aquela fábula do beija-flor e o incêndio na floresta? Para quem não se lembra, é a história em que o beija-flor se recusa a fugir das chamas como os outros animais. Interpelado pelo leão que estranhava a atitude do passarinho, que ia e voltava ao rio, o beija-flor responde dizendo que estava fazendo a sua parte para apagar o fogo.

Voltei para casa naquele dia com a sensação de que tinha feito a minha parte. Uma contribuição do tamanho da gota d’água que cabe no bico do beija-flor, mas nem por isso menos importante.

Qualquer hora dessas eu volto para contar outro segredo de liquidificador…

Cf. Oscar, Tradução Simultânea e o Porta dos Fundos

Cf. Tradução Simultânea: O equipamento portátil

Cf. Tradução Simultânea: O maior inimigo do intérprete

Speak up! We’re listening…

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Referência

Se você gostou deste texto, que é o #93, vai adorar os outros 99 em Top 100 – As cem melhores dicas do Tecla SAP de Ulisses Wehby de Carvalho, ©Tecla SAP, 2014.

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Danilo Alves
Danilo Alves
10 anos atrás

É isso que me fascina nessa profissão: saber que você está contribuindo com alguma coisa.

Parabéns pela sensibilidade, Ulisses.

Ulisses Wehby de Carvalho
10 anos atrás
Responder para  Danilo Alves

Danilo, tudo bem?

Obrigado pela visita e pelo comentário. Volte sempre!

Abraços a todos